partida para férias

Um mapa do mundo que não inclua a utopia, nem sequer merece ser olhado, porque ignora o único reino em que a humanidade atraca sempre, antes de içar as velas em busca de outra terra ainda melhor.
Oscar Wilde

foi com esta frase que hoje, logo pela manhã, encontrei uma pessoa que conhece a mesma utopia e a mesma geografia que eu.
foi a ouvir poemas que hoje, pela madrugada, decobri uma pessoa muito, muito grande e muito bonita.

já bastavam estas descobertas para que o meu dia corresse lindamente. pela tarde fica a certeza que vou estar 15 dias de férias e, quem sabe, não terei a confirmação que os últimos 4 anos de utopias valeram a pena.

até já, porque o verde e o azul esperam por mim. chegou a minha vez.

a vida é um carrossel

aproxima-se as cinco da tarde e eu já sei da minha companhia. dois amigos especiais enchem-me os finais de tarde, por vezes a hora do jantar e algumas horas durante a noite. conversamos e deitamos a conversa fora. sem que o tema do momento seja o único das nossas conversas, ontem foi dia do Amor. Assumimos o que sentimos, abrimos os nossos estojos e trocamos os lápis de cor, sorrimos e logo a seguir choramos, queremos estar por cá no final do Verão e sabemos que há sempre lugar para mais alguém. independentemente de um querer partir e dos outros se julgarem fixos a esta cidade, sabemos que nos compreendemos muito bem e não importa o emaranhado de indecisões e erros do passado.

Bairro do Amor
No bairro do amor
a vida e um carrossel
onde há sempre lugar para mais alguém
o bairro do amor
foi feito a lápis de cor
pra gente que sofreu
por não ter ninguém
No bairro do amor
o tempo morre devagar
num cachimbo a rodar
de mão em mão
no bairro do amor
há quem pergunte a sorrir
será que ainda ca estamos
no fim do Verão
Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem
No bairro do amor
a vida corre sempre igual
de café em café, de bar em bar
no bairro do amor
o sol parece maior
e há ondas de ternura
em cada olhar
O bairro do amor
é uma zona marginal
onde não há prisões
nem hospitais
no bairro do amor
cada um tem de tratar
das suas nódoas negras
sentimentais
Eh pá, deixa-me abrir contigo
desabafar contigo
falar-te da minha solidão
Ah, é bom sorrir um pouco
descontrair um pouco
eu sei que tu compreendes bem.
Jorge Plama

colocar às claras o que sentimos custa muito. não importa. somos mesmo assim. vocês compreendem.

vermelho, sangue da terra

a música diz que "uma praça de gente madura e uma estátua e uma estátua de de febre a arder "
ouvi do outro lado do telefone alguém a chorar por causa do fogo.
olhei para as chamas a consumirem a aldeia.
cheguei à cidade e nada me fez adormecer. a noite foi em claro e em tons de vermelho vivo. muito vivo.

são dois gatos, são dois gatos


tenho lá em casa um grupo de dois membros da mesma família. pretos porque nunca deram azar. pequenos porque grandes não seriam tão grandes. cheiram a creme das mãos. olhos pretos, pequenos e loucos (onde é que eu já ouvi isto! menino_do_mar). precisam de um nome lindo e não importa que não seja de gato.

de volta à praia da figueira

"nunca voltes ao lugar onde já foste feliz"
bastou mudar as horas do dia para perceber que aquela praia tinha de ser pisada. voltar sim. voltar bem acompanhada. voltar a olhar para quem toma banho lá ao fundo. voltar e ir para casa com os pés cheios de areia. voltar a apanhar uma pedra e oferecê-la com um desejo agarrado. voltar sim, porque esta coisa de ser feliz nunca deixou de dar sinais de vida.

papel de parede



a ideia não é nova e foi roubada à Rua Larga. Fiquei com vontade de escrever nas paredes lá de casa. a tinta preta, claro.

Alta em alta



Já passaram algumas horas. Consigo enumerar quantas vezes não pensei em ti.
Não saí de casa para que um espaço me lembrasse um tempo com saudade. antes pelo contrário. ali tudo era literalmente desconhecido de ti.
Quantas voltas dei a este pedaço de cidade. Sim foram muitas.
Algumas escadas como as do quebra-costas, becos que não conhecia nem tinham a tua presença. O Largo da Sé Velha e uma casa grande e branca com cheiro a framboesas. Entrei em duas igrejas ocupadas por quem tinha na mão não um terço mas uma máquina fotográfica. Não dei milho aos pombos e por onde passei não deixei as paredes escritas. Não acendi os candeeiros de ferro antigo, ainda faltava muito para a noite chegar.
Voltei a subir mais umas escadas, mas a saia de ganga era travada e não me deixava continuar esta maratona fotográfica.
Fiquei com muita vontade de voltar a percorrer outras ruas e ruelas e casas e prédios e ladeiras. Sozinha, porque sim. Alta, porque sim… porque estava escrito que o meu final de tarde não seria a mergulhar no rio Mondego..

joana


sabes que eu gosto de girasois e eu sei que tu gostas de tulipas
sabes que eu gosto de ler livros técnicos e eu sei que tu gostas de ler poesia
sabes quando me sinto sozinha e eu sei quando te tenho de telefonar a desafiar para uma meia noite diferente.
com uma vida quente e a vermelho-negro (de tanto vivida), que não a guardas no armário, no tal frasco de vidro com rolha de cortiça, só para ti e que a considero como uma porção mágia que partilhas nos bons e nos maus momentos.
um grande beijo de parabéns à joana do mercuriocromo e um grande sorriso para a minha joana cortez

deriva

sinto-me à deriva. irrita-me estar dependente dos dias. surpreende-me a minha falta de coragem. não gosto de esperar. não tenho paciência para a paciência. recuso as emoções.
abdico do "inteiro" e do "vazio" ao mesmo tempo, até que um dia seja obrigada a decidir.

diz ao teu pai que já namoras

terapia de final de tarde: apanhar amoras.
conversar com quem passa na rua. a Marlene e a Ana eram duas miúdas de Lisboa que nunca tinham apanhado amoras. juntaram-se à terapia de final de tarde, mas suponho que a apanha tinha outros motivos: em Lisboa não há amoras.
conversar com quem passa de carro. "então, já estão docinhas?" perguntou uma senhora da terra. "sim, são para doce" disse eu a sorrir.
a família também se juntou à terapia. em 10 minutos tinhamos quase 2 kg de amoras.

a terapia para hoje: fazer doce de amora.

passagem das horas

Era mais ou menos meia-noite.
Estavas em casa a ver a televisão e ainda com a mesa posta à espera dele.
Saiu de casa logo pela manhã, como todos os dias de trabalho. Não almoçou em casa, como todos os dias que trabalha fora da cidade. Não veio jantar a casa como algumas vezes acontece. Também não telefonou. Nunca telefona. Não é preciso pois tu controlas a vida de casa, a vida dos filhos e a vida no teu trabalho.
Palavras de carinho nunca as tiveste. Já lá vai o tempo em que recebias um beijo e cheio da vontade em estarem juntos. Suponho que um dia foi assim.
Não sei se algum dia chegaste mesmo a ser feliz. Pelo menos nunca reconheci a felicidade no teu dia-a-dia. Talvez, um dia ou outro enquanto passeavas na Baixa e fazias “compras”.
Ontem fechaste a luz do candeeiro da tua mesinha de cabeceira. Viraste-te para a janela e adormeceste com os olhos brilhantes.
Na mesa do teu pequeno-almoço ainda tinhas a mesa posta para o jantar.
A tua vida foi sempre uma troca de refeições. Está na altura de começares o dia a beber um sumo de laranja natural e de receberes um beijo de bom-dia.

anjo mau

as dúvidas aumentam quando me olham de frente. e se... e se... e se...

Cara d'Anjo Mau
Os teus olhos são cor de pólvora
e o teu cabelo é o rastilho
O teu modo de andar
é uma forma eficaz de atrair sarilho
A tua silhueta é um mistério da criação
E sobretudo tens cara de anjo mau

Cara de anjo mau,
tu deitas tudo a perder
Basta um olhar teu e o chão começa a ceder
Cara de anjo mau, contigo é fácil cair
Quem te ensinou a ser
sempre a última a rir?

Que posso eu fazer
ao ver-te acenar a ferida universal?
Que posso eu desejar
ao avistar tão delicioso mal?
Que posso eu parecer
quando me sinto fora de mim?
Que posso eu tentar
senão ir até ao fim?

Jorge Plama

título roubado



preciso de sol e de uma máquina fotográfica nas mãos. é urgente a imaginação e a capacidade de dar a volta às inseguranças, aos medos e ao susto quando sinto um barulho estranho durante a noite. é prioritário enganar os pensamentos e passear pela cidade à procura de novas distracções.
quero escrever um texto que fale das utopias com os pés no coração. hoje começa mais uma maratona.

confusões de última hora

não me fazia tão pouco certa nos sentimentos.
tudo se confunde sem eu dar conta.
umas vezes sim, porque sim. outras vezes sim, porque definitivamente sim.
preciso de aprender a dizer "não" ou preciso de saber dizer um "sim" com a mesma verdade com que às vezes digo "não".

Santa Margarida 1998

Foi num reino distante
plantado à beira mar
viviam todos bem contentes
como nas histórias de encantar.

e um dia apareceu
um gigante maluco
e o reino ele comeu
foi por ter mau querer
foi por querer ofender
foi porque lhe apeteceu.

e agora encontrei
novos amigos
que me ajudarão
a sair deste sarilho.

e agora já estou fixe e bem disposto
e disposto
a esforçar-me por todos.

saudades do tempo em que "odiava crianças" e que "chutava a lua para o canto do céu" .
saudades do rodrigo e do director rodrigo que nos fazia músicas como esta.

ai rapariga, rapariga

não conhecia a história, não tinha lido o livro nem visto o filme.
esta imagem persegue-me desde glasgow. enquanto passeava pela cidade e enquanto cheirava tudo quanto era livraria encontrei este livro. comprei-o não pela história, que desconhecia, mas pela imagem.
olhos grandes e tristes, cara limpa, simplicidade e um brinco de pérola.
ontem, no meio de bambus, nenúfares, muitas folhas secas, cheiro a velas... lembrei-me que "as cores brigam quando estão juntas", que "as nuvens foram pintadas com muitas cores" e que "ele via o mundo como queria e não como é na realidade".
os cenários são francamente bonitos.
fiquei com vontade de pintar os rostos dos meus anjos.
a rapariga do brinco de pérola, fatias de cá, jardim botânico
(joana tive que repetir a imagem)

preparar o coração

para que no dia 4 de Setembro só haja espaço para celebrar a tua partida. que eu me esqueça que pode ser uma distância de 1, 2 ou 3 anos. que não tenha medo de perder nada e que nesse dia faça todo o sentido esta música.
definitivamente ...

Eu não existo sem você
Eu sei e você sabe
Já que a vida quiz assim
Que nada neste mundo
Levará você de mim
Eu sei e você sabe
Que a distância não existe
Que todo o grande amor
Só é bem grande se fôr triste
Por isso meu amor
Não tenha medo de sofrer
Que todos os caminhos
Me encaminham para você
Assim como o oceano
Só é belo com o luar
Assim como a canção
Só tem razão se se cantar
Assim como a nuvem
só acontece se chover
Assim como o poeta
só é grande se sofrer
Assim como viver
sem ter amor não é viver
Não há você sem mim
e eu não existo sem você

Vinicius de Moraes e Tom Jobim

depois das dúvidas esclarecidas

(madagascar)
Posso entrar para o lado curtido da vida?

carta

alguém me avisou que ando no fio da navalha.
alguém me avisou que o meu destino foi inventado por um gira-discos estragado.
alguém me avisou que a minha cartilha do planeamento estratégico está mal orientada.
alguém me avisou que não posso pintar o coração com as cores que eu quiser.
alguém me avisou que não posso pisar os vidros que estão caídos no chão.
alguém me avisou que o resultado das raízes quadradras e das somas subtraídas é sempre nulo.
alguém me avisou que a minha vida é um círculo vicioso ao meu gesto mimado.

fico triste quando esse alguém não percebe que a vida é mesmo assim. damos voltas e mais voltas e voltamos ao princípio que já conhecíamos. o resultado nunca é nulo mas uma soma de coisas muito boas e outras que não conseguimos esquecer. perdoar não é esquecer mas é tentar encontrar a paz que anda por aí escondida.
quem dera a esse alguém ter um fio para andar, um disco para ouvir, um plano para traçar, uma tinta para pintar, um vidro para partir, uma soma para calcular e um círculo para percorrer.
não quero seguir o caminho que esse alguém segue, só porque é o mais correcto. quero seguir o que me apetecer no momento. se voltar ao princípio não importa... se voltar a um outro princípio ainda melhor.
quem sabe?
hoje apetece-me cantar os toranja.

domingo



a senhora meireles parecia forte. ontem (re)nasceu e hoje (re)morreu.
à noite a casa cheirava a quente e a bolos de gengibre.
o anjo continua à espera da vontade de voar.
um céu que não me fez acreditar no que ouvi.
hoje é dia de chocolates, flores e beijos no nariz. porquê? porque o dia de ontem foi mais longo que os últimos 90 dias.