coincidências

Tinha lengalengas para tudo. para o partido comunista dos velhos tempos, para Grândola, para o Alentejo, para os estudantes da cidade. adepto do União. ouvia num rádio, preto e pequeno, todos os fins-de-semana o relato dos jogos de futebol e ai de quem o interrompesse um só segundo. comia a sopa numa tigela e sempre com um colher de sopa de sal. gostava de amealhar no banco e nunca contou a ninguém quanto tinha. morava junto à Igreja de Santa Clara e de lá tinha uma vista invejável para a cidade. passava as tardes a olhar esta imagem, a comê-la com os olhos. sentava-se no muro ou num banco à janela. a mão direita segurava o cotovelo esquerdo e o esquerda o direito. foi assim que acabou de viver quando tinha eu já quinze anos.

aos vinte anos passei por uma rua da Alta. estava sentado num muro um senhor já velhote. a mão direita segurava o braço esquerdo e a esquerda o direito. olhava sem tirar os olhos de Santa Clara. Perguntei-me muitas vezes quem seria aquela personagem tão familiar. passava por ele muitas vezes até que um dia meti conversa. surdo qb e depois de uma conversa meia estranha disse que me conhecia e que era meu tio. pegou na minha mão e levou-me para ver a minha tia que estava em casa. quando entrei na sala tinham uma fotografia minha. não me lembro de o ver junto do meu avô.

passaram a vida com os mesmos gestos e a olharem-se à distância. não sabiam que alguém familiar estaria a olhá-los.
hoje vou muitas vezes a casa do meu tio que também acabou de viver faz um ano. a casa dele é agora o actual cumn.
estranhas coincidências da vida e da morte

1 Comments:

At 4:35 da tarde, Blogger PiC said...

Lindo! Uma lágrima bem grande...

 

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