passagem das horas

Era mais ou menos meia-noite.
Estavas em casa a ver a televisão e ainda com a mesa posta à espera dele.
Saiu de casa logo pela manhã, como todos os dias de trabalho. Não almoçou em casa, como todos os dias que trabalha fora da cidade. Não veio jantar a casa como algumas vezes acontece. Também não telefonou. Nunca telefona. Não é preciso pois tu controlas a vida de casa, a vida dos filhos e a vida no teu trabalho.
Palavras de carinho nunca as tiveste. Já lá vai o tempo em que recebias um beijo e cheio da vontade em estarem juntos. Suponho que um dia foi assim.
Não sei se algum dia chegaste mesmo a ser feliz. Pelo menos nunca reconheci a felicidade no teu dia-a-dia. Talvez, um dia ou outro enquanto passeavas na Baixa e fazias “compras”.
Ontem fechaste a luz do candeeiro da tua mesinha de cabeceira. Viraste-te para a janela e adormeceste com os olhos brilhantes.
Na mesa do teu pequeno-almoço ainda tinhas a mesa posta para o jantar.
A tua vida foi sempre uma troca de refeições. Está na altura de começares o dia a beber um sumo de laranja natural e de receberes um beijo de bom-dia.