alice no país das maravilhas e o natal
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foi muito lindo.
na ausência de mais palavras: Bom Natal aos meus meninos lindos
estou de coração cheio
insisto na confiança.
tenho um sol gigante à minha frente e desenhei castelos durante o fim-de-semana.
os presentes de natal estão todos nos tons dos sonhos: as estrelas cor-de-rosa, as nuvens brancas e os carneirinhos a tons pastel. os anjos da guarda têm as asas a azul bebé. os meninos bordados nos lençóis brancos têm balões nas mãos.
e insisto na confiança.
agora sim: estamos no natal
um beijo, um xaile e o que fomos
cada vez que calçava aqueles sapatos camel de atacadores (parecidos com os sapatos de golf) lembrava o teu zumbido. cada vez que usava o xaile verde alface ouvia ao longe as tuas frases com um leve toque de ironia. cada vez que usava o cabelo encaracolado não recebia um beijo. outras tantas vezes se usava brincos coloridos não recebia um abraço.
hoje, acordei cedinho, e fiz-me verde. o xaile a condizer com o resto do que trazia junto ao corpo.
acredito que depois de alguns anos tenhas compreendido que um beijo nunca se nega e que dar um abraço até ao fim é uma coisa necessária para quem veste verde alface. zen.
eu nunca gostei das tuas calças pretas mas para mim tu eras lindo.
é normal
conversa de ontem à noite:
- a cabeça e o corpo podem andar desalinhados. alinhar é possível e desalinhar também.
- sabemos por onde anda e que está a poucos metros de nós. e então?
- encenar uma peça de teatro é terapêutico e no caso da "
alice no país das maravilhas" ainda mais, especialmente quando se tenta ser a própria alice.
a muitas mãos
Rodou o puxador metalizado da porta a 180 graus e fechou-a devagarinho atrás de si, invertendo o sentido do puxador e do futuro. Caminhou estrada fora durante uns minutos, sempre a olhar para A janela, mas quando chegou ao final da rua foi como se lhe tivessem partido um serviço de loiça na boca do estômago. Começou a correr e só parou quando já não conseguia aguentar a dor de burro. “Já está, consegui”, disse o cérebro ao corpo, enquanto os olhos se fixavam na sua triste figura reflectida nos painéis publicitários das paragens de autocarro.
foto-esfera.
Podia ter acontecido ontem ou cinco anos atrás. Sentia agora que, se calhar, tinha sido preciso passar aquele tempo todo: exactamente seis anos, dois meses e catorze dias.
Enquanto recuperava o fôlego da corrida (afinal, porque lhe faltava o ar, logo a ele, que estava habituado a abusar do corpo, a levá-lo tantas vezes ao limite onde a taquicardia definitivamente acaba?), cruzou-se com a memória desse dia.
moulin-rose.
Trazias uma t-shirt branca não muito justa, o cabelo solto e um sorriso que me desarmou ao primeiro olhar. Pediste-me que tirasse a camisa e me deitasse num tom de voz tão baixo que me foi difícil perceber o que dizias. Obedeci-te prontamente, expectante. Observei todos os teus gestos: o acender do incenso, o correr da persiana, o gesto profissional com que aquecias sempre as mãos uma na outra.
mercuriocromo.
Esse fora, na verdade, o primeiro dia da memória. Recordava-o sempre com a mesma comovida estranheza, sempre a mesma sensação de ter assistido ao próprio parto.
Quando, recomposto do esforço, se viu de novo reflectido sobre um qualquer anúncio de comida para cão, achou que o corpo não lhe assentava bem. Sentiu-o demasiado velho e vários números acima da memória franzina que trazia consigo. E só então se deu conta das palavras que o acompanhavam desde o primeiro minuto. Eram a legenda do poster desbotado ao lado d'A janela. Lera-as apenas uma vez, naquele dia. Mas foi como se o seu cérebro as tivesse sugado para dentro de si devido a uma inexplicável ausência de pressão: "O ponto VG11 (Shendao) situa-se no dorso, entre os processos espinhosos da 5a e 6a vértebras torácicas. A agulha atravessa a pele, o tecido celular subcutâneo e os ligamentos supra-espinhal e interespinhal e atinge o ligamento amarelo; relaciona-se superficialmente com os ramos cutâneos do ramo dorsal do 5º nervo torácico e, profundamente, com o ramo dorsal do 5º nervo torácico. A estimulação deste ponto está indicada em situações de ansiedade, tristeza, perturbação mental, amnésia..."
.
(
quero-te bem empenhada nesta história, pode ser?...)
Chegou novamente com a respiração ofegante e abriu outra vez o puxador metalizado, agora já com medo de ser repreendido. Tinha saltado sem parar só para chegar aquela sala às oito horas em ponto. Tinha que ser às oito horas. Fez o que devia ser feito. Deitou no lixo os pedaços de papel que trazia nos bolsos, atirou as sapatilhas para o canto da sala, tirou os restos de baton da cara e deitou fora a tela, com aquela mulher estampada, que estava pendurada à direita da sua cama. E o corpo foi atrás do sofá azul marinho. Naquele dia conseguia prometer à senhora da sala n.º22 que no dia seguinte não acordaria às 5 da manhã a declamar poesia aos berros e nem ouviria Rachmaninov ao pequeno-almoço. No dia seguinte também tinha marcado na sua agenda um único encontro. Talvez o terceiro da sua vida. Desta vez era necessário calçar os sapatos pretos e a gravata escura. o fato ainda tinha que o ir comprar.
(talvez um fato escuro ou uma
gabardina. escolham os senhores)
Coimbra II
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MF, 2005
continuo na não-coimbra
Coimbra I
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MF, 2004
de sexta a domingo
"ninguém avisou que era fácil" telefonemas, conversas e palavras não chegam para acalmar os olhos. algumas palavras voam com o vento.um ponto final a meio do discurso e logo a seguir ao sujeito é sempre um erro gramatical.
jogo de futebol, De Phazz, mimos que rimam com amigos, mensagens porque sim, cafofo no sofá cinzento, esmirna com a lã verde, anjo da guarda, faneca e atum, casa n.º 1 quente, cinema à noite e de dia, fantasia de um guarda-roupa, correr e ver correr e um fim de domingo como deviam ser todos os outros.iniciar um novo discurso nunca será um erro da nossa linguagem.
trabalho pendente
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preciso de arrumar gavetas. preciso de ir ao cinema para saber como se inventam as histórias de amor.
quanto mais me pedes e prendes mais eu não consigo esperar por ti. ninguém adia os dias e muito menos o amor.
MAR
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MF, Figueira da Foz, 2005
palavra gasta, cansada, monótona, sem jeito e por ai fora. nem assim esta palavra deixa de ser a mais certa para os meninos que ficaram em terra ontem à noite. Bom dia para eles.
ao km 114
...e porque ainda assim, fico sempre do lado fixe da mesa. tenho o coração cansado.
o corpo a sentir conforto
mais um do que no livro dos cinco, com direito a raça canina e tudo. ontem o dia foi casa, casas, caseiro, casamento...porque ontem estivemos juntos, ponto final. na "casa pequenina" o chão já está sujo das botas do pai e dos restos de linha e feltro da mais pequena, as almofadas estão como a mãe quer e são suficientes para a outra dormir, os senhores da casa limitam-se, como se isso fosse pouco, a serem o casamento da história.
à noite já não sinto medo em dormir sozinha. lembro-me que me descreveste, ponto por ponto, como seria o nosso reencontro. estava de noite, estava a chover e começava a ficar calor. ontem podia ter sido, sim!