FRANCa mais um sISCO

Vai fazer amanhã um ano que reencontrei aqueles olhos pretos, pequenos e vazios… e já agora… loucos.
De facto, esses olhos não me eram estranhos. Enquanto fui professora aqueles olhos estiveram muitas vezes na última fila da sala de aula a olhar para mim e a classificar o meu jeito de ensinar. Nesse ano senti alguma raiva desses olhos. Eram arrogantes, feios e, sobretudo, transmitiam muita distância.
Três anos mais tarde esses olhos foram acompanhar-me numa peregrinação a Fátima. Durante três dias fui cativada por uns olhos pretos, pequenos e vazios….. e já agora loucos.
Durante quase um ano (não tivesse esta loucura sido interrompida por um tal de Peter Pan) estive cativa. Esses olhos fizeram-me acreditar que Rachmaninov compôs o Adagio Sostenuto (Piano Concerto No. 2 in C minor; OP 18) só para mim, que Ruy Belo escreveu poemas só para nós, que a Serra de Montemurro nunca tinha sido visitada senão por nós, que éramos os únicos moradores da Aldeia de Covas, que a minha casa era a nossa cidade.
Durante quase um ano foi assim. Acho mesmo que cheguei a mentir (e muito) por aqueles olhos. Acho que cheguei a trair (algumas horas) por aqueles olhos.
Amanhã vou partir com aqueles olhos para o mesmo caminho para mais três dias. Mas, por estranho que pareça, já não estou cativa a estes olhos. Mesmo assim estou estranhamente ansiosa por voltar a saborear o que deixei para trás.
Logo à noite vou adormecer ao som da nossa música, pode ser que este estado de alma passe e não me assuste mais.

Hoje o céu está mais azul eu sinto
Fecho os olhos e mesmo assim eu sinto
O meu corpo estremecer
Não consigo adormecer.
Nem o tempo vai chegar
Para dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor.
Hoje o céu está mais azul eu sinto
Olho à volta mesmo assim eu sinto
Que este amor vai acabar
E a saudade vai voltar
Nem o tempo vai chegar
Para dizer o quanto eu sinto
Você longe de mim
É uma espécie de dor
Já não sei o que esperar
Dessa vida fugidia
Não sei como-lhe explicar
Mas é mesmo assim o amor.
Rosa, Rodrigo Leão Cinema, 2004