o último dia da semana

com a Mar pelos caminhos na Escócia, Julho de 2005


Fechou a porta, não com as trancas todas, pois julgava que no campo a vida era segura como o dia que nasceria amanhã. Disso tinha a certeza.
Saiu então de casa. Andou até ao emprego, contando a vida, por vezes lembrando as memórias já repetidas. Momentos teve que se julgava estar louco pelas conversas que tinha com os seus próprios botões. Umas vezes dizia que sim, outra dizia que não e nunca chegava a uma só conclusão, a não ser que quando tivesse que tomar uma decisão ela chegaria com a mesma calma com que a procurou. Seguia sempre os instintos de homem. Dizia que alguma coisa iria chegar. Que nunca nada era difícil e que punha nas mãos de Deus a sua vida. E não é que ele sorria quase todos os dias!
As decisões são fáceis de tomar, dizia-me muitas vezes.
Algumas vezes embarquei nesta maré de bem-estar divino, mas outras vezes julgava ser loucura deixar os “sins” e os “nãos” nas mãos de alguém por quem a minha fé nem sempre é certa. Para mim a vida continua a ter que ser vivida muito de rápido. Decisões bruscas, dias sem momentos, vontades sem desejos… tudo a correr como diz o relógio que tenho no pulso. Esqueço-me das prioridades, das pessoas a quem quero bem, as pessoas que procuram a minha presença são trocadas por outras que talvez nem a queiram para nada.

Tudo a correr até ao dia em que me obrigou a escrever e a abrir todos os dias o meu livro de escritas pequeninas e nocturnas.
Até ao dia em que um domingo em casa só faz sentido se aconchegada por uns braços grandes, que começa com um “bom dia!” apaixonado, um café e um jornal meio lido. Um almoço caseiro e uma leitura ou uma releitura de um qualquer escritor português.
O Domingo só faz sentido quando andamos pela relva molhada e ficamos com as sapatilhas encharcadas, até que ir por os pés de molho no rio é a solução mais óbvia. Ou então, quando vamos para mais de 1000m de altitude e molhamos os pés num rio que se esconde numa escarpa arrepiante.
O último dia da semana só faz sentido quando se chega a casa no rosar da noite, depois da missa, se faz bolos de gengibre e se provam com um vinho do porto ou mesmo com um chá de framboesa, vindo do país dos chás. Se come um quadrado da tablete de chocolate que irá durar até ao próximo domingo.
A noite do último dia da semana só faz sentido quando se sente um cansaço de quem saboreou cada espaço e cada tempo de descanso. Quando se vê um filme qualquer e se volta a adormecer, nos braços grandes, sem que o filme termine. Ou então quando se fica cansado de tanto conversar sobre o quintal que ambos plantámos.
Boa Dia! Acorda para a tua segunda-feira.


A depois de um dia de trabalho voltava pelo mesmo caminho que percorreu de manhã. Pensava nas mesmas coisas ou noutras que lhe vinham à memória. Era normal fazer desenhos e bandas desenhadas no tempo que demorava a chegar a casa. Abria a porta só com um volta da chave e deitava-se no sofá. Na vida era só e a vida era simples, tão simples que precisava de acordar a meio da noite e ler uma só poesia para que a beleza dos outros completasse o seu dia.